Fraternidade do Trevo

Razin, rico mercador do Oriente, passava por Jerusalém, negociando seus artigos, quando estranho ruído chegou aos seus ouvidos, e, como todos os outros que estavam à sua volta, se dirigiu para verificar o que acontecia. Vendo um homem que carregava a cruz do sacrifício, se assustou quando seus olhos se encontraram. Não era aquele mesmo semblante que visitava suas noites insones, quando, no convés da sua embarcação, admirava os astros que se refletiam nas águas do mar?
Não eram aqueles mesmos olhos que o miravam serenamente com um misto de amor e piedade?
Esquecido de suas lides comerciais, acompanhou o lúgubre cortejo. Chorou quando viu uma mulher enxugar o suor e o sangue daquele rosto, desejando se colocar no lugar de Cireneu para ajudá-lo a carregar o instrumento de tortura. No entanto, seu olhar apenas permitia que continuasse a segui-lo.
Assistindo à crucificação, sentiu que os pregos, ao ferirem as mãos do sentenciado, lhe perfuraram o próprio coração.
Paralisado pela mágoa, se emocionou mais uma vez com o pranto das mulheres e uma vontade imensa de acolher em seus braços a Mãe dolorosa. Aquelas cenas ficaram para sempre gravadas em sua alma.
Quando José de Arimatéia, ajudado por João e pelos demais companheiros, desceram da cruz o corpo macerado pelo sofrimento, os seus olhos se fixaram na mão que caíra fora do lençol. Sem coragem de se aproximar, observou que, quando a recolheram, uma gota de sangue ficara nas folhas de um pequeno trevo. Abaixou-se. Com extremo cuidado recolheu aquela plantinha e, com respeitoso carinho, guardou-a nas dobras da sua túnica na altura do coração.
Voltando para a cidade, não compreendia como aqueles homens podiam continuar comprando e vendendo, sem sentir a gravidade daquele acontecimento, que iria marcar para todo o mundo uma nova era, dando à humanidade um novo roteiro de vida.
Dias depois, quando ouviu falar da Ressurreição, foi procurar a túnica usada no mais marcante momento da sua vida. Encontrou o pequeno trevo petrificado, verificando que a gota de sangue tornara o seu verde extraordinariamente luminoso, como símbolo de esperança na renovação do ser humano, incentivando os seus seguidores a trabalhar ativamente na seara do bem, para implantar na Terra o seu Reinado de Amor.
Passados alguns dias, foi procurar os discípulos do Mestre. Anonimamente ajudou-os na manutenção da Casa do Caminho. E não ficou por aí o seu apostolado. Em cada cidade em que suas embarcações aportavam, reunia servidores com suas famílias, que traziam seus amigos, para lhes anunciar a Divina Revelação.
Desencarnando após uma vida laboriosa dedicada ao bem, se encontrou com todos aqueles que haviam sido beneficiados pelas suas revelações. Reunidos em prece, receberam a visita do Sublime Redentor, que, envolvendo a todos nas suaves claridades do seu Amor, lhes disse:
- Razin, àquele que é fiel no pouco, muito lhe será confiado. Congrega as almas que despertaste para o Amor do Pai e forma com eles um grupo fraternal, e ajuda aos homens de Boa Vontade a organizar Escolas em que se preparem os discípulos do futuro.
E foi assim que Razin veio com seu Grupo Fraternal orientar o Comandante na organização das Escolas de Aprendizes da Federação Espírita do Estado de São Paulo, que, até hoje, procura despertar corações, para que, através de uma reforma íntima, se tornem exemplos vivos da vivência cristã, desenvolvendo a Fraternidade para que possamos realmente ser os discípulos do Terceiro Milênio.
Notas:
1. Simão Cireneu, de acordo com a obra O Nazareno, de Sholem Asch, era essênio e um de seus filhos era aluno do rabino fariseu Nicodemos. Fundada pelos gregos, Cirene era capital da Cirenaica, na África setentrional, atual Líbia. Ao tempo de Jesus tinha grande população judaica, segundo o Atos dos Apóstolos.
2. Homem rico, José de Arimatéia era integrante do Sinédrio – o tribunal religioso, sendo um dos representantes dos fariseus, assim como Nicodemos. De acordo com o livro O Nazareno, os dois rabinos eram iniciados na Fraternidade Essênia.
3. Também identificado como “o discípulo bem-amado” de Jesus, o apóstolo João, filho de Zebedeu e irmão de Tiago, é o autor de um Evangelho e do Apocalipse contidos no Novo Testamento. O livro Harpas Eternas relata existência anterior do Evangelista como o profeta Samuel.
4. A Casa do Caminho, núcleo fundado pelos apóstolos de Jesus, tinha esse nome por ficar na estrada que ligava Jerusalém ao Porto de Jope. Estévão e Paulo de Tarso foram ali acolhidos e colaboraram com a Casa.

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